segunda-feira, 29 de abril de 2013

SONETO - de Gregório de Matos



Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido,
Porque quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto um pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido,
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha, e já cobrada
Glória tal, e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na Sacra História:

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a, e não queiras, Pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.

Gregório de Matos, no livro Poemas Satíricos, Martin Claret, 2012

terça-feira, 16 de abril de 2013

EU (SAGITÁRIO) - de Alonso Rocha




Tem a crina de lua esse cavalo,
dorso de girassol, patas de vento,
e como vive além do pensamento
o poeta não consegue mais domá-lo.

O seu olhar é de corça, o pêlo ralo,
mas galopa entre chamas. Cata-vento
ele mói as palavras-alimento,
rumina sonhos seu maior regalo.

Num tempo sem futuro nem passado
busca Jerusalém, fértil de medos
e, aos coices, quebra o mármore sagrado.

Sabe através da chuva a sua idade
e em folhas de papel guarda segredos
- uma parte animal, um Deus metade.


Alonso Rocha. Livro: O tempo e o canto, Unama, 2009.